País: França
Ano:
2012
Gênero: Romance
Duração: 125
min
Direção: Michel
Gondry
Elenco: Romain
Duris, Audrey Tautou, Gad Elmaleh e Omar Sy.
Sinopse: baseado
no romance de Boris Vian, o filme conta a história de Colin, um jovem rico, que
adora jazz e patinar com seus melhores amigos. Ao conhecer Chloë, ele vive uma
inebriante paixão. Mas ela sofre de uma doença incomum: uma flor que cresce em
um de seus pulmões.
Crítica: o filme, decididamente, não é para qualquer
um. Baseado na obra literária do francês Boris Vian, “L’Écume des Jours”, ou “A
Espuma dos Dias”, escrita em 1947, é repleto de imagens surreais e bizarrices,
assim como seu livro. A história já foi levada ao cinema duas vezes: em 1968,
com “A Flor da Vida”, e em 2001, com a adaptação japonesa “Chloe”.
Michel Gondry (diretor de
“Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças”, 2004) trouxe mais uma vez um conto
incrivelmente surreal para o cinema; naquele sua direção foi mais feliz, com
uma mensagem mais direta. Em “A Espuma dos Dias”, outro drama, as imagens
coloridas e as ideias malucas fazem parecer que se assistirá a algo leve e
divertido, mas é um engano. O longa é um soco no estômago com uma melancolia
que só os franceses sabem fazer.
A história segue bem o que
o livro: Colin (Romain Duris) é jovem, rico e nunca precisou trabalhar, vivendo
de sua fortuna. Ele vive com o advogado-servente-conselheiro, mil e um
talentos, Nicolas (Omar Sy), e divide seus dias em tomar drinks, comer delícias
exóticas e conversar com seu amigo Chick (Gad Elmaleh), um fanático pelo
filósofo Jean-Sol Partre. Quando Chick se apaixona por Alise (Aïssa Maïga),
irmã de Nicolas, Colin decide se apaixonar também, e em uma festa conhece Chloé
(Audrey Tautou). O casal se dá muito bem e, pouco tempo depois, se casam.
Depois da lua-de-mel, Chloé adoece – uma flor nasceu em seu pulmão – e o único
tratamento é cercá-la de centenas de flores.
Desde o começo, “A Espuma
dos Dias” quer deixar bem claro que isso é uma história, e que ela será a mais
louca possível. Aqui, nada funciona como na realidade, e a Paris que vemos é um
mundo que parece ter saído da imaginação de uma criança. Casamentos envolvem
corridas de carro, limousines são transparentes, o carro da polícia caminha,
livros podem ser comprados em farmácias em forma de pílulas e existem invenções
como o Pianocktail, o orgulho de Colin, um piano que faz coquetéis de acordo
com as notas tocadas.
As cenas iniciais parecem
ditar o que imaginamos que será um filme divertidíssimo: tudo cheio de cor e
música. Vemos a casa maluca de Colin, onde sapatos andam e cadarços se amarram,
onde um vagão de metrô serve como um corredor, a comida dança no prato, chefes
de cozinha “virtuais” interagem com o cozinheiro falando por televisões
espalhadas pela casa e até dentro da geladeira, e um rato muito fofo (Sacha
Bourdo) ajuda os moradores nas tarefas do dia-a-dia, seja fazendo bolhas para
que lavem as mãos ou tentando ajudar na captura de uma enguia que se esconde
dentro das torneiras. Isso é só o começo das maluquices.
Ainda que seja
surpreendente ver cada estranheza, logo nos acostumamos com a lógica
distorcida, que permite que pessoas estiquem suas pernas para passos de dança
ou que música Jazz possa mudar a forma de um cômodo, ou que a própria história
possa se desmontar e quebrar a “quarta parede”. Há, por exemplo, uma sala
recorrente, cheia de pessoas digitando em máquinas de escrever a história que
estamos assistindo e que é sujeita à intromissão de seus personagens.
Indo mais além, “Espuma”
gosta de misturar esse mundo bizarro com metáforas visuais, deixando pouca
margem entre o que é força de expressão e o que realmente muda a história. No
casamento de Colin e Chloé, por exemplo, mostrando que o casal estava “nas
nuvens”, apenas a dupla fica flutuando como se submersa, enquanto todos os
outros convidados agem normalmente. Em uma cena mais à frente, quando Nicolas
“envelhece” de preocupação, sua aparência de fato muda, e seu passaporte mostra
uma idade mais avançada, de acordo.
À certa altura, porém, o
filme “trai” o público. Se estávamos esperando aventuras coloridas e
românticas, assim que Chloé adoece todos personagens entram em uma espiral
autodestrutiva. O filme muda de tom e passa a se focar nos esforços de Colin de
salvar a esposa, ao mesmo tempo em que sua fortuna se esvai. Acompanhando o
estado cada vez pior de Chloé, a vida de Colin passa a decair rapidamente,
arrastando, direta ou indiretamente, todos seus amigos para o pior que poderiam
chegar. Toda a sociedade parece se tornar mais cruel e violenta, e mortes e
tragédias parecem comuns, além de conhecermos outras tantas bizarrices que
aparentemente já estavam lá, mas que Colin só não conseguia ver antes.
A decadência do filme se
nota em tudo. Os personagens cômicos e divertidos se tornam sombras do que
eram, cenários apodrecem e a própria matéria-prima do universo do filme parece
se desfazer. As falas diminuem de frequência e intensidade, tudo perde
velocidade e quanto maior a desgraça, menos cor o filme tem, até que, ao final,
tudo é mostrado em preto-e-branco.
O lado fantástico nunca
abandona os personagens, seja com suas engenhocas ou com hábitos estranhos.
Conforme a condição financeira piora, as condições do apartamento mudam de
acordo, e ele se torna mais sujo, destruído, sem luxos e, por incrível que
pareça, menor. A estranha lógica fica mais evidente e cria um paralelo cruel
com nossa realidade.
Por trás de tudo isso,
“Espuma” busca trazer às telas uma coleção de referências. O personagem
“Partre” (Philippe Torrenton) e seus livros são uma óbvia referência a Sartre,
cujo existencialismo permeia toda a trama, em especial na segunda metade. Toda
a experiência é acompanhada de uma ótima trilha de Jazz, especialmente com
canções de Duke Ellington, como “Chloe”. Uma curiosidade: o título americano do
filme é “Moon Indigo”, inspirado em outra canção do jazzman.
A produção pediu um esforço
imenso, com muito trabalho em detalhes, animação stop-motion e caracterização.
A maioria dos objetos de cena foi claramente produzido para a filmagem, cheia
de caprichos e especificidades, e o trabalho de luz e cores vai além do que
muitas outras produções procuram ou conseguem fazer.
“A Espuma dos Dias” é uma ótima produção, mas
deve agradar poucos. Perde muito tempo em recursos e demora a atingir o ápice
da história, que é quando Chloe fica doente. Nessas alturas, o espectador já se
cansou.
Avaliação:
**
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